quarta-feira, março 10, 2004

Ao poeta e à obra

É a história responsável pela imortalidade das figuras e dos factos. É a ela que devemos agradecer a maior parte das explicações do passado e, possivelmente, do futuro.
O poeta que passa à imortalidade é aquele que se insurge contra o tempo, não necessita dele para realizar a sua visão, pensamento, quiçá filosofia. É ao poeta que agradecemos a perspectiva histórica: de forma errada. Situar os poetas no tempo é um exercicio contra a humanidade. Muitos deles (poetas) reflectem nas suas palavras a inspiração do momento - prezo demais tais escritores, mas outros, instruídos pela revolta à sociedade em que viveram ou vivem, preferem atirar-se a ela, contribuíndo assim para o estudo histórico mas descontextualizando-se da real e eterna mensagem - a mensagem interior, a do ser humano, para sempre eterna.
Por isso, aos leitores de Fernando Pessoa é dada a escolha: amar ou odiar? Eu prefiro amar e odiar igualmente a sua obra. Nesta conta-se um índividuo angustiado, de óptima formação e educação, sofredor no mundo em que vivia. O imortal dos seus textos é a referência aos seus dissabores amorosos e problemas existenciais, é isto que define o carácter imortal da sua obra.
Qualquer tópico de relação histórica é um passo atrás na mente criativa de um poeta, são menos versos de intensidade humana, menos utopia, mais realidade.
Não é por isso que digo não à história. Ela é e será uma das principais fontes de estudo do comportamento humano, das massas e do mundo. Mas ela não tem emoção, é limitada nos sentimentos. Não a condeno por isso, porque não é a ela que cabe a expressão das sensações que nos fluem a vida. Ela deverá ser sim, categórica mas susceptível de mudança, tirana mas ouvinte de todos os relatos e documentos, solitária e dependente das outras ciências.
No entanto, a fronteira entre a mera mortalidade e plena imortalidade não se esgota na acreditação de quaisquer Deus(es), é sim um esforço que não retribuímos aos poetas, amantes das emoções e das palavras, e tristes pelo povo e pelo presente. Para melhor compreender como é o meu ideal de poeta, talvez seja melhor citar um dos tais:

Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...


Antero de Quental

É assim através da luta pelo não envolvimento com o resto do mundo que o poeta perpetua a sua obra, não caíndo na exacta descrição dos seus olhos, não se tornando um historiador sofista.

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